sábado, maio 05, 2007

Porque não há solução para a crise

Sabem porque é que não há saída para a crise? Reparem nos seguintes dois factos:

1- Em todas as economias liberais, os 10% mais ricos concentram pelo menos 50% da riqueza produzida, do PIB - creio que a China não atingiu ainda este valor mas está muito perto e que nos EUA andará pelos 70%.

2- a riqueza dos 10% mais ricos cresce mais que o PIB (os PIB crescem 1 digito, a riqueza dos 10% mais cresce muitas vezes na casa dos 2 digitos; já viram como têm crescido os lucros da banca neste Portugal de pobrezinhos?)

Destes dois factos surje uma conclusão inevitável: 90% da população está cada vez mais pobre! Óbvio, não é verdade? Se um pais tiver 50% da riqueza na mão de 10%, se o seu PIB crescer 3% e a riqueza do 10% mais ricos crescer 8%, a riqueza do restante 90% das pessoas vai diminuir 2%.

Portanto, o actual sistema conduz inexoravelmente ao empobrecimento de 90% da população!
Isto é um facto. Como pertenceremos a estes 90% (os 10%mais não têm tempo para blogs) vamos ficar sempre mais pobres!

Claro que isto é em termos médios. Os governos têm de ir subindo ordenados mínimos (em Portugal parece que já nem isso...). Então, vão descer nalgum outro lado - nas reformas, nos gastos sociais, nomeadamente na saude, etc

Por outro lado, há uma razão para não notarmos esse empobrecimento: é que o preço de muitos produtos está sempre a descer.

O PIB resulta do produto do aumento de produção pelo valor do que se produz. Se a produção dobrar mas o preço do produto cair para metade, o PIB não aumenta. O que acontece é que o aumento de produção suplanta ligeiramente a queda de preços.

Essa queda de preços é fácil de constatar nos produtos electrónicos. Mas noutros produtos está a ficar complicado, porque as exigencias de qualidade são crescentes. Os carros "baratos" não embaratecem porque cada vez têm de cumprir mais especificações. A alimentação já bateu no fundo, já usou lixo reciclado como alimento para animais, mas hoje começa a não o poder fazer.

Ou seja, o preço dos bens e serviços essenciais começa a ter dificuldade em descer. E, não descendo, o embobrecimento da população começa a sentir-se fortemente.

Não quer dizer que estes preços já tenham atingido o mínimo - em breve será talvez possivel criar músculo em laboratório, acabando com a necessidade de criação de gado, por exemplo, o que poderá significar uma nova janela de preços descendentes na alimentação. Mas no entretanto...

Outro problema mais grave: como 90% da população está cada vez mais pobre, os rendimentos de 90% da população vão tendendo para o ordenado mínimo; ora estes não pagam IRS. Então, acontece que, com o actual sistema de impostos, as receitas do Estado e da segurança social vão diminuir! O Estado vai ficar cada vez mais pobre! Cerca de 50% dos portugueses já não pagam IRS porque não têm rendimentos suficientes. Este número tende a aumentar, a taxa média de IRS tende a descer.

Para fazer face a isto o Estado começa a cortar despesas, que é como quem diz, serviços. E começa a querer cobrar noutro tipo de impostos, o que conduz a um empobrecimento ainda maior dos 90% da população - é o que acontece com o aumento do IVA: se o IVA aumenta 3% isso significa que ficamos 3% mais pobres porque o nosso poder de compra diminui 3%. E introduz ecotaxas, taxas moderadoras, impostos para os reformados...

A situação é pois esta: no nosso sistema económico 90% da população, o Estado e a segurança social estão cada vez mais pobres. Isto é inerente ao sistema tal como está a funcionar. O Estado será cada vez mais fraco e incapaz de controlar o aumento de riqueza e de poder dos 10% mais ricos. O Estado vai tentar manter as suas receitas à custa dos 90% cada vez mais pobres e os 10% mais ricos vão culpar o Estado da situação para que ninguém os culpe a eles. Vamos tender todos para o ordenado mínimo, degradado por cada vez mais taxas e menos serviços tendencialmente gratuitos, e depois teremos de inventar uma revolução. Outra vez.

Nos paises mais fortes, tentarão ir buscar riqueza no estrangeiro, tentarão que o aumento de riqueza dos 10% mais ricos se faça à custa doutros povos. Que terão de se revoltar. Outra vez.

No entretanto, aproveitemos as viagens de avião cada vez mais baratas...

8 comentários:

Anónimo disse...

O ordenado mínimo até pode subir... falta agora alterar o obsoleto conceito do trabalho seguro. Ou seja o fim do contrato de trabalho tal como hoje existe.

Neste novo modelo, o patronato pode definir o horário de trabalho que corresponde ao ordenado mínimo nacional: por exemplo 42 horas semanais. Quem trabalhar 36, faz tempo parcial e não pode levar o ordenado por inteiro.

Eis porque o Manuel Pinho diz que em Portugal a tendencia é para os ordenados (do trabalho indeferenciado) baixarem.

Mau? Nem por isso, dentro de 4 anos as empresas que hoje se deslocalizaram para a Polónia, Eslovénia e outras énias, estarão de regresso! Porque vamos voltar a ser competitivos.

O estado social? É para esquecer que o Estado não tem dinheiro e toda a gente sabe que o melhor é fazer um seguro de vida!

Curiosamente, esse perigoso anarca de esquerda, Sarkosi, vem dizer que em França o salário mínimo corresponde a 35 horas semanais, por mais horas, sempre, mais salário... felizmente temos cá o Socrates!

António

alf disse...

Amigo António, você ainda está no presente; se olhar para o Futuro verá que tudo isso é irrelevante porque o que está a acontecer é que estamos todos a ficar mais pobres, nós e o Estado, cada vez mais pobres e mais dependentes dos mais ricos. Isto é a história recorrente da humanidade, nem as democracias gregas conseguiram quebrar este ciclo infernal: os mais poderosos ficam cada vez mais poderosos, esmagam cada vez mais os outros até que estes, já sem nada a perder, se revoltam. E este ciclo acelera brutalmente a partir da altura em que o poder dos mais fortes ultrapassa certo valor (50% do PIB). E já lá estamos, por isso as coisas vão-se precipitar, por isso os impérios caem bruscamente.
Um abraço e obrigado pela contribuição

Anónimo disse...

Então pela anarquia total! Sarkosi ao poder!

alf disse...

eheh Isso é que é visão do futuro! Eu confesso que não tinha entendido bem a subtileza do seu primeiro comentário, a ironia com que descreveu o escorregar da situação. A questão que põe agora é: como inverter a tendência? a anarquia total? O que se passou na Argentina foi já um primeiro sinal?

bruno cunha disse...

De facto, é preocupante o actual panorama. Mas ainda é mais preocupante saber que o futuro não é nada risonho. Eu já há uns anos que começo a sentir na pele o que é a tendência salarial a descer. Trabalhava (digo trabalhava porque neste momento estou a "gozar" a minha 1ª situação de desemprego) num sector onde os salários estavam inflaccionados mas que a pouco e pouco começaram a cair. Entretanto as grandes agências de publicidade começaram a rapar o tacho, como se costuma dizer, não deixando espaço para as mais pequenas. E assim caí no dsemprego e agora voltar de novo irá ser complicado pois com 43 anos o meu mercado de trabalho estreita-se e muito. Por agora só me resta levar 1 dia de cada vez e tentar outras saídas. Escrever historinhas é muito bonito mas ainda não dá dinheiro mas nunca se sabe)...

alf disse...

as diferentes actividades profissionais tendem cada vez mais para o estatuto do futebol - qual é o futebolista que ainda joga aos 43 anos? E, tal como não adianta querer que os futebolistas joguem até aos 65, também não adianta querer exercer certas profissões até aos 65. Amigo BBC, eu pressinto que até olha para si como um escravo liberto, que abriu os olhos para novos horizontes como se tivesse acabado de nascer, e que, no fundo, vê o ter ficado desempregado como um espaço de oportunidade. Dramático é ficar toda a vida agarrado a um emprego, dramático é viver apenas uma vida na vida, não é? Eu reformei-me antecipadamente, a perder muito dinheiro, exactamente porque quero viver mais vidas nesta vida.
Quanto ao futuro, olhe, nunca é tão bom como sonhamos mas parece que é sempre melhor que o que tememos. Se eu traço estes cenários de catástrofe é para garantir que não há catástrofe - é na busca da compreensão que vamos encontrando soluções, assim espero.
Obrigado pelo seu testemunho. Talvez faça um post sobre esta questão...

Rui leprechaun disse...

Foge! que cenário apocalíptico!!!

Bem, como na prático já sou sannyasin e de facto desisti até de fazer alguma coisa, esse cenário de pobreza nem me afecta muito... espero!

Mas talvez não seja bem assim tão negro o futuro. Afinal, não se vem falando das responsabilidades sociais e ambientais das empresas? E isso já está a ser posto em prática por algumas, ao que sei.

Bem, mas de economia percebo pouco, apenas que nem parece ser assim muito difícil ganhar dinheiro... e até bastante!

Só que tal exige certas qualidades de autodisciplina e perseverança, além de um método próprio para gerar essa riqueza, claro.

Depois, há de facto essa importante questão da ética, na qual sempre esbarro porque existe um certo desconforto associado a um sistema económico talvez excessivamente liberal e com menos preocupações sociais.

Meaning... a acreditar no quadro negro que aqui se traça, creio que muita gente não quereria estar nesses 10%, há algum desconforto num cenário de forte desigualdade e que é o oposto do princípio dos vasos comunicantes ou do equilíbrio no fluxo da riqueza gerada mas não equitativamente distribuída.

Depois, num cenário realista e algo pessimista, quantas pessoas podem afinal viver neste planeta? Hummm... talvez o Evento trate disso, será?!

Bem, isto começa algo sombrio, ó viajante do futuro! Ora, como digo nem me faz muita mossa, vivo praticamente ao mesmo nível dos bichitos cá da floresta...

Rui leprechaun

(...ora papo ou durmo a sesta! :))

alf disse...

leprechaun

Não se trata de pessimismo; o equilibrio de sistemas activos é algo complexo, eles tendem sempre a existir em ciclos «presa-predador».

Para conseguir o seu equilibrio, a Natureza desenvolveu soluções complexas, ciclos presa-predador multiplos e mecanismos de amortecimento e autolimitação. Por exemplo, o instinto territorial dos machos é uma forma de eles se autolimitarem. Mas a natureza tem outros mecanismos, que chegam até ao suicídio colectivo.

Se não estivermos atentos e não pusermos em acção os mecanismos correctores necessários, vamos para a crise por certo; podemos ir encontranso soluções à medida que os problemas vão surgindo, mas evitaremos muito sofrimento se soubermos antecipar os problemas.