quinta-feira, julho 24, 2008

A Divina Trindade: Energia, Inteligência e Entropia


. Tentação e Queda, Miguel Ângelo, tecto da Capela Sistina

O Humano primitivo vivia dos recursos da natureza – portanto, no estado de perfeito equilíbrio ecológico. O número máximo de humanos era o que a natureza podia sustentar por si própria. Esse número era muitíssimo mais baixo do que a população actual. A ocupação indígena da América do Norte, da Amazónia e da Austrália à data das suas colonizações retrata a densidade de ocupação humana que a Natureza suporta.


Há muitos milhares de anos, quando a densidade dos humanos era ainda inferior aos limites naturais, a vida era um paraíso. O Humano viva em climas tropicais, amenos, propiciantes de uma sensação de bem estar, a vida corria sem preocupações de relevo, o alimento era fácil de obter, tão fácil que não carecia de armazenamento nem de ser providenciado antes de a fome apertar. Quando se tinha fome, apanhava-se fruta ou ia-se à caça. Ou à pesca.


Mas o sexo... o sexo foi fazendo aumentar a população humana e os limites naturais foram ultrapassados. O paraíso terrestre acabou. Para sobreviver, o Humano teve de emigrar para climas mais duros e passou a ter de Trabalhar! Foi expulso do Paraíso e condenado ao Trabalho, «comerás o pão com o suor do rosto».


O Humano teve de deixar de depender da generosidade da Natureza e passou a ter de providenciar as suas necessidades. Inventou maneiras de conseguir extrair mais alimento do que aquele que a natureza voluntariamente providencia e organizou-se, criou a Civilização.


A Civilização, o progresso, resultam da necessidade de sobrevivência nos locais onde a população ultrapassou os limites suportáveis pela natureza. A alternativa à Civilização é unicamente os humanos morrerem à fome ou matarem-se uns aos outros. Começaram certamente por aí, organizando-se em tribos para defenderem territórios, tribos que se combatiam e dessa forma limitavam a densidade humana, tal como acontece com os machos em muitas espécies animais. Mas umas tribos terão tido mais sucesso que outras nestas guerras, o que lhes terá permitido crescer e, depois, ou teriam de inventar guerras internas para se poderem matar uns aos outros ou teriam de inventar maneira de conseguir ultrapassar as limitações da Natureza.


Os primeiros focos de civilização começaram a surgir em tempos remotos mas, como luz de vela em dia de temporal, a extinção foi sempre o seu destino. Uma segunda leva se ergueu dos seus escombros, menos luminosa mas mais perene, e conduziu a humanidade até hoje. O brilho ofuscante que esta civilização global começou a adquirir no último século levanta uma interrogação: será possível que o actual surto luminoso venha o sofrer o mesmo destino escuro das civilizações da Antiguidade? Que podemos fazer para garantir a perenidade da nossa Civilização?Que forças moldaram a ascensão e queda das civilizações antigas? Continuam elas a determinar os destinos da Humanidade?


Esta misteriosa questão pode afinal ser entendida em termos muito simples.


Uma civilização é uma diminuição de entropia da sociedade humana, ou seja, um aumento de organização. Mas sabemos que uma diminuição de entropia traduz a existência de um processo «Inteligente» (até podemos usar como medida da «inteligência» de um sistema a velocidade de diminuição da sua entropia). E sabemos que um processo «inteligente» carece de energia para ocorrer.


Portanto, as civilizações emergem quando há energia disponível para alimentar um processo «inteligente» e afundam-se quando não há. E «energia disponível» é a energia para além da indispensável à sobrevivência das pessoas.


Esta é a Trindade que comanda todo o Universo: Energia, Inteligência e Entropia. Ou, para algum poeta que nos leia, o Espírito Santo, Deus e o Diabo.


Um superavit de energia pode ser fruto de um avanço tecnológico, ou de uma melhoria das condições climáticas proporcionando melhor produção agrícola, ou, ao contrário, fruto de uma qualquer catástrofe que faça diminuir o número de humanos sem prejudicar os seus recursos, como uma guerra, uma epidemia, um tremor de terra.


Mas uma civilização, mesmo que primitiva, consome energia adicional apenas para se manter. O Trabalho só por si já exige mais energia humana que o repouso; mas também é preciso a energia dos animais que transportam os produtos de um lado para o outro e dos que ajudam a lavrar, é preciso a energia do fogo para o ferreiro poder malhar o ferro, a energia da fogueira para cozinhar os alimentos e fornecer aquecimento nos climas duros onde o Humano se viu obrigado a viver, etc.


Assim, para cada grau de Civilização, só para a sua manutenção, é necessária uma certa energia per capita que é maior que a energia de sobrevivência. Se a energia disponível for maior que este valor, essa civilização poderá evoluir; se for menor, terá de regredir.


Portanto, para evitar que uma civilização regrida, é indispensável garantir que a energia per capita não diminui. E aqui surge o grande problema: a população tende a aumentar, cada mulher pode ter mais de 20 filhos. Fazer crescer a energia disponível ao mesmo ritmo da população parece tarefa impossível, pelo que a manutenção e desenvolvimento das civilizações passa necessariamente por alguma forma de controlo populacional.


Sem um eficiente controlo populacional, o que sucederá? A sequência de acontecimentos inicia-se com um qualquer avanço tecnológico que providenciará um aumento de energia; em consequência, emergirá uma civilização, que evoluirá até que a energia disponível seja a de manutenção da civilização. Mas a população continuará a crescer e a energia per capita diminuirá. A civilização terá de regredir. Isso fará diminuir a produção de energia e a civilização entrará num processo acelerado de degradação. Os recursos tornam-se insuficientes para assegurar a sobrevivência da população e esta terá forçosamente de diminuir, seja pela matança interna na luta pela sobrevivência, pela fome, por epidemias, por guerras movidas do exterior ou pela emigração.


O destino da Civilizações é assim traçado pelo sucesso ou insucesso do controlo populacional. Conscientes da importância deste balanço energético, vamos agora olhar rapidamente para a História e encontrar nela uma nova perspectiva; e até vamos descobrir a pegada dum pequenino Evento...

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13 comentários:

NC disse...

alf,

Na sua "sequência de acontecimentos" está-se a esquecer que podem ocorrer desenvolvimentos tecnológicos a meio do processo, interrompendo-o e obrigando-o a voltar ao princípio.

A sua visão está mais próxima de Malthus. A realidade tem-no desmentido algumas vezes. Resta saber se a "velocidade" tecnológica já conseguiu bater a "velocidade" sexual. Se sim, a argumentação do seu (interessante, diga-se) post já não serve.

alf disse...

Tarzan, grande vigilante da blogosfera, sempre o primeiro a descobrir um post interessante! Quando tenho comentário seu, já sei, o post tem interesse!

A «sequência de acontecimentos» é um esquema base; a realidade veremos como é no próximo post.

Boa imagem essa da «velocidade sexual». Iremos ver a que velocidade vamos nos próximos posts..

Metódica disse...

Olá Alf!
Eu devia ser mais assidua, mas ultimamente tenho sido invadida por vagas de preguissa e não tenho feito fgrande coisa.

A população mundial está a aumentar e um problema que já se preve é o da alimentação. O que a Natureza nos dá não será suficiente no futuro e há quem pense que uma alternativa poderão ser os produtos geneticamente modificados.
As politicas de natalidade ou antinatalidade devem ajudar no controlo do aumento da população, afinal é para isso que servem...

Metódica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
alf disse...

Metódica

Obrigada pela sua visita

Parece lógico que venha a haver um problema de alimentação, não é? Afinal, sempre foi esse o grande problema do passado. Mas, como tudo o que eu escrevo, nunca o que parece é (se fosse, não valeria a pena eu escrever sobre isso).

Portanto, prepare-se para algumas surpresas!

Rui leprechaun disse...

Ena! notícias fresquinhas, ora viva! :)

E com essa malandra da entropia, que já me está a dar dores de cabeça, de tanto pensar na moça... Aliás, eu bem desconfiava que era algum demónio de saias, essa fascinante Mara ;)

Pois eu ainda vivo nesse paraíso, sou Gnomo sem juízo! Mas estou a ver que tenho mesmo de pôr a funcionar essa nano-inteligência que devo ter por aí a preguiçar, num ou noutro neurónio disperso... espero!

Que é só esse o meu trabalho... carta fora do baralho! No resto estou inocente, não aumento a humana gente! ;)

Ai, ai! mas isto está mais complicado do que nesse idílico passado do saber divinizado...

Bem, não estou para discursar mais, que a minha micro-energia mal dá p'ra sobreviver... sou lesma, não sei correr!

Mas ao problema da tal população, eu digo "Não!" :D

– Sabem qual é o método contraceptivo mais eficaz? – perguntou o professor numa aula de Educação Sexual.
– Não – responderam os alunos.
– Correcto – respondeu o professor.


Vantagens de ser anjinho...

Rui leprechaun

(...a fingir que é diabinho! :))


PS: Foge! Antes eram rimas e agora anedotas... eu cá por mim mandava este fulano às bolotas! :D

anonimodenome disse...

o alf toca no essencial ao colocar uma civilização como um sistema energético, e está bem em destaque com a crise do petróleo.

esta descrição faz-me lembrar os ciclos do predador e da presa, que o alf aplica nas manchas solares.
(esse post precisa de continuação)

essa trindade são três aspectos do único ente supremo (energia).

alf disse...

Leprechaun

A anedota vem bem a propósito... de facto, esse foi o método anticonceptivo que se tentou usar na idade média e até recentemente.

alf disse...

anonimodenome

e lembra muito bem. Há de facto um ciclo presa-predador aqui: a energia é a presa e os humanos são o predador. Como é típico destes ciclos, a queda é mais brusca do que a ascenção para o predador.

As primeiras civilizações foram vítimas dele; depois foram introduzidos factores que evitaram a oscilação, embora com preço alto - a estagnação da evolução. E hoje, como estamos?

Manuel Rocha disse...

Bom texto e uma linha de raciocinio que acompanho por inteiro, excepto numa questão menor, quando começa a sua dissertação revisitando a mitologia dum "paraíso perdido".

Tenho para meu uso que a conflitualidade é uma pedra fundadora da vida em qualquer das suas versões, e a questão da procura e obtenção de alimentos nunca foi fáci, mesmo onde parece que o poderia ser. Há por aí documentários sobre o quotidiano de algumas tribos amazónicas que se organizam essencialmente como caçadores-colectores, fazendo tb uma agricultura rudimentar, que ilustram bem como a questão da próxima refeição é sempre assunto contigente e que nem todas as noites se dorme com o estômago aconchegado.

Quanto ao resto, estamos inteiramente de acordo: é no binómio energia vs população que se resolve a dinâmcia das comunidades de seres vivos. É curiosa a crença que ainda vai havendo na capacidade da técnica para resolver a nosso contento esse binómio. São questões de fé, penso eu, e por isso me mereceriam o maior respeito se não fosse o que revelam de falta de humildade em face da vastidão e complexidade dos fenómenos a que respeitam.

alf disse...

Manuel

quando falo do paraíso falo por experiência própria: encontrei isso no interior da Guiné Bissau, pouco depois da sua independência.

A falta de alimento só se tornou um problema com o crescimento populacional; com baixa densidade populacional, o problema das pessoas é a água; mas localizando-se junto de uma nascente, curso de água ou poço, o problema fica resolvido.

Quando eu acabar esta série de posts vai perceber a dimensão deste problema e as atitudes da liderança chinesa ou do Busch, por exemplo, vão perceber-se muito melhor. As europeias é que não. Porque vou apresentar a sua quantificação. Algo que certamente é conhecido de quem gere o mundo e as grandes empresas de energia mas estranhamente, ou talvez não, é desconhecido da comunicação social, ou seja, das pessoas em geral.

antonio ganhão disse...

Pai, Filho e Espírito Santo... não vamos tornar isto um lugar de promiscuidade...

O problema foi quando a fêmea humana destituiu o papel do macho dominante. Nas outras manadas, o macho dominante mantém a natalidade dentro de limites aceitáveis. A espécie por sua vez só dá oportunidade aos mais fortes.

Quando a fêmea humana passou a escolher o seu macho, sem se submeter ao macho dominante, a explosão demográfica tornou-se inevitável e os mais fracos tiveram a sua oportunidade. Esta oportunidade dos mais fracos acelerou o processo da inteligência.

A revolução sexual dita a nossa perdição!

alf disse...

António, de certa forma, tem alguma razão, no aspecto em que as regras que a natureza encontrara para as espécies anteriores deixaram de funcionar na espécie humana. Mas a culpa não é das fêmeas, essa insubmissas que se recusam a reconhecer a divina superioridade do macho; a culpa é de ter entrado a «Inteligência» no assunto.

Esse é o simbolismo da «maçã», o Humano deixou de ser uma espécie submetida a um «programa» e passou a ser capaz de algum pensamento autónomo - o humano tornou-se assim a primeira espécie com essa capacidade que caracteriza os deuses.

Essa é a grande diferença entre os humanos e os outros seres vivos - os humanos não são necessariamente escravos dos instintos.

Por isso a «Inteligência» é a caracteristica divina. Aqui no sentido restricto de «inteligência autónoma dos instintos», aquilo a que chamamos o «consciente».

E porque foi a «inteligência» que gerou o sarilho, terá de ser com ela que nos teremos de livrar dele.